Convocatória: I Conferência de Saúde Mental dos Povos Indígenas

 

DIAS 12 E 13 DE MARÇO

Aldeia Maracanã, Rio de Janeiro

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Em Novembro de 2022, o Conselho Nacional de Saúde realizará a V Conferência Nacional de Saúde Mental, antecedida por etapas regionais e etapas preparatórias, que podem ser convocadas por iniciativa popular. Chamamos, diante da V CNSM, a I Conferência de Saúde Mental dos Povos Indígenas, para reivindicarmos nosso lugar nas políticas de saúde mental e na atenção psicossocial do SUS.

Nós, indígenas, sabemos o quão problemática é a noção de "nação" colocada em espaços institucionais e governamentais. A exclusão de nossos povos da divisão territorial da Conferência é um exemplo claro. Na luta pela terra e na diáspora e etnocídio, a experiência indígena com território, terra, moradia, Estado, Povo e Nação é diversa, marcada por violência, opressão e frágeis relações de pertencimento e não-pertencimento.

Da mesma forma, os princípios de Universalidade, Integralidade e Equidade do SUS e sua organização territorial são inevitavelmente perpassados por um olhar colonizador, no qual a "universalidade" e a "equidade" são construídas através da redução dos nossos povos a um "nivelamento" cultural, social, político e territorial, herdeiro da narrativa de aculturamento e “mestiçagem” pacíficos como origem do "povo brasileiro".

    Recentemente, foram divulgados números alarmantes de 3 mil crianças indígenas mortas em quatro anos, dentre as quais, 72% tinham menos de um ano. Tais números dizem respeito apenas a indígenas em terras demarcadas e onde há a cobertura dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Esse recorte revela também o problema da exclusão dos indígenas que vivem em terras não demarcadas e em contexto urbano - mais uma forma do Estado brasileiro nos tutelar e tomar para si a prerrogativa de definir quem é ou não indígena. Representa um apagamento da nossa luta pela autodeterminação e pela terra que ainda nos é negada. 

    Não somos territórios demarcados: somos povos e nações em luta por toda terra que é nossa por direito, em luta pela retomada de nossa história também em contexto urbano. É necessário pensar na inclusão indígena no sistema de saúde através da construção de um SUS que inclua indígenas em todos os contextos. A saúde pública não pode reproduzir uma lógica de etnocídio, epistemicídio e colonização. Ou seja: a "equidade" do SUS deve permitir acesso irrestrito a direitos sem que precisemos abrir mão da autonomia de nossos povos e nações. 

A falta de ampliação do SUS para indígenas é reflexo de todo o desmonte do SUS. A privatização do SUS nos atinge de forma especialmente cruel, uma vez que há diversas restrições à mercantilização da saúde dentre os indígenas. O desmonte da saúde pública em locais de difícil acesso e entre populações vulneráveis tende a uma precariedade com contornos específicos e severos.

No que diz respeito à saúde mental, somos completamente excluídos da Rede de Atenção Psicossocial, não só pela falta de acesso, mas também porque não há preparo institucional para o devido acolhimento. Não há políticas permanentes de formação de profissionais capacitados para entender a nossa realidade psicossocial e as dimensões do sofrimento psíquico no contexto indígena. Não há respeito pela nossa medicina tradicional e as nossas práticas de saúde, cuidado e bem estar. Essa formação é restrita aos locais onde há cobertura da Secretaria Especial de Saúde Indígena, ou seja: a saúde mental indígena não é vista como parte integrante de todo o SUS.

    O recenseamento das questões relacionadas à saúde mental, suicídio e uso de substâncias entre indígenas é insuficiente. Os poucos dados existentes são meramente quantitativos, sem análise qualitativa. São escassas as pesquisas voltadas à compreensão, pesquisa e elaboração de políticas públicas efetivas para o apoio psicossocial a indígenas.

    Nossa exclusão da Rede de Atenção Psicossocial nos torna mais vulneráveis ao sofrimento psíquico advindo do avanço da colonização e genocídio. A dominação cultural e religiosa tem modificado seus mecanismos com a entrada de igrejas neopentecostais em nossas comunidades e entre nossa população em contexto urbano. Tais igrejas são uma nova força conservadora e exploradora e têm o seu próprio projeto manicomialista na forma de Comunidades Terapêuticas. A ampliação do apoio ideológico e financeiro às CTs abre o caminho para que estas se infiltrem entre nós com suas práticas de violações de direitos humanos e religiosidade compulsória. A expansão desse projeto de saúde mental oferece grande risco à cultura, à organização social e comunitária, à medicina tradicional e à espiritualidade indígenas. Os povos indígenas que resistem ao aculturamento e à assimilação na sociedade capitalista e são um entrave para a expansão de sua lógica predatória. Com isso, o ostracismo, a perseguição e constantes ataques aos povos geram, inevitavelmente, adoecimento psíquico.

    Em um projeto antimanicomial de saúde mental, a pauta histórica do cuidado em liberdade ganha outra dimensão, uma vez que é necessário definir o que é a liberdade no contexto indígena. Não há liberdade sem terra, sem um chão para pisar, plantar e morar. Não há saúde mental diante da matança e genocídio promovidos pela exploração predatória de nossas terras, expropriação e morte. Não há bem estar psicossocial quando a história, a cultura e o direito à autodeterminação e à vida em comunidade são negados. O pertencimento e a resistência fazem parte da manutenção da saúde mental, numa abordagem para além da medicalização e hospitalização. Saúde, Terra e Vida são indissociáveis.

Chamamos a I Conferência de Saúde Mental dos Povos Indígenas para colocarmos nossas demandas diante do poder público e até mesmo da luta antimanicomial, da qual ainda somos excluídos, utilizando como instrumento a mobilização diante da V Conferência Nacional de Saúde Mental, ainda que com todas as limitações apontadas. Reivindicamos nosso espaço e acesso à saúde pública com autonomia e liberdade, livres de qualquer forma de colonialismo mediando esse acesso.

Comentários

  1. Muito pertinente essa proposta pois a questão de saúde mental dentro da cultura indígena tem muitas questões diferenciadas.

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  2. Não entendi quem está representando a população indígena

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